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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Memórias...

Seria longo contar tudo o que tenho passado ao longo da minha vida, desde que me arrancaram da árvore em que fui tronco e me levaram a uma oficina, onde fui cortado, torneado, mil coisas sofri, até conhecer a nova função que me reserva o destino.

Meus irmãos de floresta, muitos cortados comigo na mesma ocasião, depois que deixaram de ser galho ou tronco de árvore para ser madeira, que é como chamam depois do serrote ou do machado, estão espalhados por esse mundo. Muitos, hoje, são caixas e caixotes. Graças a isso, têm acabado conhecendo até países estrangeiros, levando laranjas ou latas de conserva. Outros acabaram mesas, cadeiras, armários, móveis de toda sorte. Tenho primos que são portas, janelas e se contentam olhando o movimento da rua. Alguns, tão orgulhosos do tempo das folhas, quando o vento passava e assobiava no arvoredo, são hoje, apenas, soalho. Fraco destino, para quem vivia nas alturas e sonhava, na pior das hipóteses, ser, pelo menos, teto ou armação de telhado, coisa que, para ser vista, obriga o bicho homem a levantar a cabeça. Ser pisado e repisado o dia inteiro, tábua humilde de assoalho, por pés desconhecidos, de sapato sujo, é triste para quem foi árvore e enfrentou raios e ventanias.

Tenho visto e ouvido muita queixa pela vida afora. Mas o triste, mesmo, a suprema humilhação para quem foi árvore, é acabar caixão de defunto.

Esse era o grande terror de meus irmãos de madeira, quando aguardávamos, cheios de inquietação, no depósito, o nosso aproveitamento industrial. Eu, que ainda era tronco, madeira sem muita categoria, pelo que notava na conversa dos homens, ficava gelado. Se pudesse, pelo menos, ser poste de iluminação, seria um consolo. Mas poste de madeira, com o tal progresso dos homens, vem perdendo o cartazmuito tempo...

Os homens que nos utilizam e nos utilizaram, desde o começo dos tempos, cortando, serrando, aplainando, enfiando pregos, são de uma insensibilidade impressionante. Pensam que madeira não tem alma. Para o nosso grande inimigo (o homem, não o cupim), nós não passamos de ‘coisa’. Que pode ser aproveitada de mil modos, sempre para satisfazer exclusivamente ao seu egoísmo e aos seus interesses imediatos, como uma indiferença total pelo que possamos sentir.

E ninguém pode ter idéia do que é, para qualquer de nós, depois de cortar aqui e cortar ali e desce o machado ou passa a plaina, a visão de um simples prego. Como não temos o dom de ficarmos arrepiados, o sofrimento é puramente espiritual. O prego é trazido por mãos impiedosas, é posto contra nós, em posição vertical, o martelo se ergue, desce a pancada fatal. Pan! Pan! O prego entrando... A madeira rasgando... E a ironia de saber que o cabo do martelo ou do machado é de madeira também...

Vingança para a gente é quando o sujeito erra o golpe e acerta, não o prego, mas o dedo... É cada palavrão que a gente escuta...

Pior, porém, do que machado, serrote e prego, destino trágico e sem conserto, é a madeira que o bicho homem utiliza apenas como lenha.

Destino de lenha é fogo!


(Lessa, Orígenes. Memórias de um cabo de vassouras – adaptado)


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postado por Ricardo Moraes | 09:56

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